Em nossa Constituição Federal, e na maioria das constituições e ordenamentos jurídicos do mundo ocidental, nos foi assegurado um importante princípio garantista: o famoso Princípio da Presunção de Inocência.
Tal preceito representa perfeitamente o famoso e renomado jargão “inocente até que se prove ao contrário” que já ouvimos inúmeras vezes em filmes e novelas. Mas ao examinarmos o mundo real, vemos que tal princípio é diariamente relativizado.
Na presente data, 21 de março de 2019, vivenciamos mais um claro exemplo da relativização deste princípio. Tivemos um Ex-Presidente da República (na verdade outro) preso preventivamente, ou seja, antes mesmo de ser condenado(ou absolvido, como saber?) oficialmente.
E como isso é possível? A nossa legislação autoriza 4 tipos de prisões, que podem existir mesmo sem condenações transitadas em julgados em desfavor do réu:
- Prisão em Flagrante
- Prisão Preventiva
- Prisão Temporária
- Prisão Civil (pensão alimentícia)
A prisão em flagrante e a por pensão alimentícia todos já sabem mais ou menos como funcionam, ocorre que, o que nem todos sabem, é que a prisão em flagrante tem duração máxima de 24 horas, depois deste prazo o Juiz precisa decidir:
O acusado irá aguardar o julgamento preso ou solto? A resposta parece simples certo? “Se ele não foi julgado ainda, não se sabe se ele é culpado ou não, pois não foram examinadas as provas, colhidos os depoimentos de testemunhas, examinadas câmeras de segurança, etc…, então, baseado no princípio da presunção da inocência o réu deve ser liberto até seu julgamento, onde será verificada sua culpabilidade ou inocência e ai sim ele será preso ou solto.”
Resposta Errada! A nossa legislação permite que o Juiz, através de decisão fundamentada, decrete a prisão preventiva ou temporária daquele que é acusado de um determinado crime, uma vez que cumpridos os pressupostos estipulados pela lei. No caso da Prisão Temporária, uma vez preenchidos um ou mais dos requisitos previstos no art.1º da Lei 7960/89, o Juiz poderá decretar a Prisão pelo prazo de 05 dias, prorrogáveis por mais 05 em casos de crimes comuns, e 30 dias, prorrogáveis por mais 30 em caso de crimes hediondos.
Vejamos em quais casos o Juiz poderá decretar a Prisão Temporária:
“Lei 7960/89, Art. 1° Caberá prisão temporária: I – Quando imprescindível para as investigações do inquérito policial;
II – Quando o indicado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade;
III – Quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado em determinados crimes (os crimes são descritos no texto original do artigo, retiramos quais são eles para simplificar o presente texto que é meramente informativo e não busca esgotar o tema).”
Já no caso da Prisão Preventiva residem as maiores controvérsias, pois a mesma pode ser decretada por um prazo indeterminado pelo Juiz, sendo necessário observar requisitos muito mais genéricos:
“Código de Processo Penal, Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.”
No caso do Ex-Presidente Temer, o Juiz decretou a prisão preventiva, segundo ele, para garantia da ordem pública e para assegurar a aplicação da lei penal, e fundamentou a decisão de maneira bastante competente (para ler a decisão clique no link abaixo: https://www.migalhas.com.br/arquivos/2019/3/art20190321-08.pdf )
Deste modo, é possível entender que é possível alguém ser preso sem mesmo ter enfrentado um julgamento, em casos específicos.
Muito embora no caso do infame Ex-Presidente muito provavelmente a prisão preventiva se mostra realmente necessária, é nítido que o nosso sistema judiciário está utilizando indevidamente a ferramenta para prender antecipadamente muitas pessoas sem mesmo darem aos mesmos um julgamento.
Estudos mostram que 40% das pessoas presas no Brasil estão presas preventivamente, ou seja, não foram sequer julgados, as provas não foram sequer analisadas! (link do estudo: https://www.conjur.com.br/dl/infopen-dez14.pdf )
Infelizmente, em nosso país, é costumeira a banalização da utilização deste recurso processual pelos nossos juízes, sobre o tema nos explica o Prof. Aury Lopes Jr.(2018, pág. 596):
“No Brasil, as prisões cautelares estão excessivamente banalizadas, a ponte de primeiro se prender, para depois ir até o suporte probatório que legitime a medida. Ademais, está consagrado o absurdo primado das hipóteses sobre os fatos, pois se prende para investigar, quando na verdade, primeiro se deveria investigar, diligenciar, para somente após prender, uma vez suficientemente demonstrados o fummus commissi delicti e o periculum linertatis (a real possibilidade do crime ter ocorrido e o risco de permanecer o acusado em liberdade) (gf)”
Muito embora seja uma questão polêmica, se aplicada corretamente, a prisão preventiva e temporária podem ser bem coerentes.
O problema é que na prática elas nem sempre são aplicadas de maneira correta, ocasionando em certos casos, a prisão indevida de pessoas que não cometeram crimes, como no caso recente ocorrido no Rio de Janeiro, onde foi decretada a prisão preventiva de um rapaz somente pelo fato da mídia ter noticiado o caso (link: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2019/01/23/inocente-homem-apontado-como-assassino-de-rapaz-em-mercado-no-rio-e-solto.ghtml ) Ou seja, infelizmente, em nosso país, a mídia e o anseio popular por prisões e por punição muitas vezes tem mais relevância para decretação da prisão preventiva do que a necessidade da existência de provas ou indícios da prática de um crime.
REFERÊNCIAS:
LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 15 ed. São Paulo: Saraiva Educação. 2018.